Vamos chegando ao final do mês de Setembro, que é um mês de ativismo de duas causas extremamente essenciais, e que se entrelaçam de uma maneira muito fundamental: A discussão da importância da pauta da saúde mental e, por conseguinte, a prevenção do suicídio, e da luta de direitos das pessoas com deficiência.
Pouco se fala sobre isso, mas discutir saúde mental de pessoas com deficiência e de toda população neurodivergente, chega a ser arrojado e revolucionário. Historicamente, estes dois públicos não eram vistos, tampouco, reconhecidos e validados enquanto parte de uma sociedade, tendo se desenvolvido ao longo de séculos (!!!) estando totalmente à margem de uma esfera social. A laguna social, ao meu ver, beirava um abismo humanitário. Pessoas com distinções de desenvolvimento não eram reconhecidas como parte integrante de toda a conjuntura comunitária, simplesmente, pois não eram validadas até mesmo, enquanto pessoas, simplesmente, humanas. Vale ressaltar que pensar em algo tão singular como saúde mental de um outrem, temos que, primeiro, reconhecê-lo enquanto sujeito e, mais ainda, um sujeito dotado de direitos civis.
Na tratativa com pacientes e amigos no espectro autista, sobretudo, os que estão no início do espectro, vejo o quanto que o fenômeno ambíguo do masking, ao mesmo tempo que os aproxima de uma adequação social, os colocam também numa posição de adoecimento psicológico e de sobrecarga. Até que ponto se esforçar para corresponder às expectativas sociais, também não é aniquilar a si mesmo… E qual o preço disso para a saúde mental de uma população já tão vitimizada socialmente? Como resposta, vertentes com uma visão cada vez naturalista sobre o autismo ganham força, até porque o propósito da Psicologia, mais do que “adequar” pessoas à uma realidade social, é resguardar a integridade e a saúde mental das mesmas. Pelo menos, na Psicologia em que eu acredito.
Sim, nós temos uma sociedade em que precisamos estabelecer correspondência com ela, existem expectativas sociais e todos nós sofremos com isso, de alguma maneira. Mas ao invés de me debruçar sobre o sujeito que não se adequa, eu quero direcionar minha análise à sociedade que exclui: Quantas pessoas com deficiência você conhece? O quanto você envolve pessoas com deficiência na sua vida? Quantos amigos com deficiência você possui? Você se socializa com pessoas neurodivergentes? Já contribuiu, mesmo que de forma indireta, para que se sentissem inadequadas ou não pertencentes?
Não sustento, de forma alguma, um discurso moralista. Afinal, é a moral (numa leitura normativa, que se relaciona aos hábitos e costumes sociais) que forçosamente contribui para o masking, que ao mesmo tempo que promove um senso de adequação, contribui enormemente para o adoecimento de tantos jovens e, sobretudo, adultos no espectro autista. Mas sim, levanto um olhar sobre um sentido de ética, para com a vida, para com o outro. Afinal, a pauta da inclusão é uma luta, em seu cerne, por direitos civis, por direitos humanos. Por integridade*.
Menos norma, mais valor.
“Autismo está na moda”. Talvez sim, talvez não.
Nossa missão última é universal e atemporal. É ética.
É luta.
É humana.
E por isso mesmo, é urgente e inegociável.
(*Nota: Significado de integridade: Estado ou qualidade do que é inteiro, do que não está menor do que era ou do que deveria ser)
Texto: Camila Nasser Mancini | Imagem: reprodução/internet